quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O AMANTE IMPERFEITO

Seja no papel de um médico, seja no de um ladrão ou de um taxista, Marcello Mastroianni nunca deixou a pose de galã sofrido e a elegância sóbria e discreta

Ele já tinha 36 anos e atuara em três dezenas de filmes quando Fellini o convidou para estrelar sua mais ambiciosa produção até aquela data. “Por que você me escolheu?”, perguntou Marcello Mastroianni. “Porque eu preciso de um ator de rosto banal”, respondeu o cineasta. E foi assim que Marcello, que já fora Carlo, Renato, Marco, Pietro, Paolo, taxista, médico, fotógrafo, agrônomo, até árbitro de futebol e ladrão, em dramas, comédias e tragicomédias, emprestou seu rosto banal a Marcello Rubini, o parasitário jornalista de A Doce Vida, e entrou para a história e a mitologia do cinema italiano.

Sobrevoando Roma de helicóptero na companhia de um paparazzo, ele já irrompia na magnum opus felliniana a fazer charme e atirar beijinhos para um bando de alvoroçadas grã-finas: Marcello, o sedutor alado.

Elegante, romântico, sensual, encarnando uma figura fascinante como Marcello Rubini, guia do jet set internacional em trânsito pela cintilante Via Veneto de 50 anos atrás, sempre cercado de mulheres desfrutáveis e insaciáveis, Mastroianni impôs-se, sem o menor esforço, como o protótipo do europeu urbano e moderno, a mais irresistível encarnação do latin lover mediterrâneo, herdeiro legítimo de Casanova e Valentino, os garanhões fundadores da macholatria italiana.

Para consolidar sua fama de “o maior amante da tela desde Valentino”, não precisou alugar seu sex appeal a Hollywood, como fizera Vittorio Gassman. Sábia decisão, pois sua singularidade parecia indissociável da sociedade italiana dominada pela mamma, pela repressora moral vaticana e pelo culto à virgindade e à potência sexual.

Em intervalo das filmagens de Entrevista ; com Anita Ekberg em A Doce Vida; e usando os icônicos óculos com armação de acetato preto em 8 1/2 (4): quase sem querer, ele se tornou a imagem do europeu urbano e moderno
Mastroianni, na verdade, foi um símbolo sexual malgré lui, o anti-Casanova, mais um macho tragicômico e congenitamente fraco do que um sátiro à James Bond. Polidos e galantes, seus personagens destilavam, acima de tudo, tristeza, ansiedade, melancolia, preguiça e cansaço, sugerindo uma ambivalência fora dos estereótipos da “virilidade sem problemas” da época. Era um amante apático, enfastiado, quase letárgico, um fracasso amoroso serial. Só em A Doce Vida insatisfez três mulheres e deixou uma opulenta estrela de cinema (a sueca Anita Ekberg) escapar-lhe das garras na Fontana di Trevi. Maior seria a desdita de Antonio Magnano, o vistoso mas impotente varão de O Belo Antonio.

Nem brochando e dando mole para as mulheres deixou de ser um afrodisíaco para as moças da plateia. Quanto mais fraco, desamparado e tiranizado por esposas e amantes, maior a voltagem do tesão. Sua tendência à inércia e seu permanente ar de “homo triste post coitum” tinham o condão de excitar as mulheres, da mesma forma que o desamparo infantil de Marilyn Monroe excitava a libido dos marmanjos.

Os homens invejavam seu aplomb e sua elegância imperturbavelmente sóbria. Não precisava mais do que um bom terno preto, com gravata da mesma cor sobre uma camisa social branca, para impressionar os circunstantes. Seu diferencial? Os óculos escuros. Se já provocara um frisson unissex com os Persol Ratti 69292 que usava em A Doce Vida, com o modelo retangular adotado por Guido Anselmi, o baratinado cineasta de 8 ½, lançou uma moda reciclada por Bono e até hoje discutida na internet. Entre as várias marcas — Dior, Persol, Chanel, Ray-Ban — sugeridas a Fellini e ao ator, prevaleceu a italiana Prada, cujo modelo SPRO7F ainda é vendido, mas o vintage, com o qual Mastroianni desfilava em 8 ½, não sai hoje por menos de 2 500 dólares.
Descoberto por Luchino Visconti quando ainda estudava teatro na cidade de Milão, Marcello Mastroianni trabalhou com todos os grandes cineastas italianos do pós-guerra e contracenou com as maiores divas de sua terra. Só com Sophia Loren coestrelou 14 comédias. De vários pontos da Europa até seus braços vieram francesas (Jeanne Moreau, Brigitte Bardot, Catherine Deneuve), alemãs (Maria Schell), suecas (Anita Ekberg) e suíças (Ursula Andress). Se fosse um Casanova na vida real (mas não o velho e aposentado tombeur de femmes de Casanova e a Revolução), teria feito uma festa com a maior parte de suas parceiras, todas deslumbradas com ele.

Ele próprio foi vítima da hipocrisia da sociedade italiana e das pressões do moralismo católico. Não escapou nem quando, abrindo uma exceção, durante um longo caso com Catherine Deneuve, se separou da atriz Flora Carabella, sua mulher de papel passado desde 1948. Quando morreu, em 1996, aos 72 anos, de um câncer no pâncreas, a seu lado estavam, como num filme romântico, a amante e a atriz Chiara Mastroianni, filha do casal. Naquele dia, coroando o romântico desfecho, as luzes da Fontana di Trevi foram apagadas e suas estátuas cobertas com um manto negro. Homenagem mais expressiva a prefeitura de Roma não poderia ter prestado ao amante numero uno da Itália.
Poucas e Boas
Peças tradicionais com caimento perfeito dão forma ao guarda-roupa de Mastroianni, que raramente saía do conforto do preto, branco, cinza e bege




Malha de cashmere Aramis Menswear, Lenço de seda Louis Vuitton,Cinto de couro Montblanc,Sapato de couro Gant. Blazer de lã com viscose e elastano Emporio Armani,Óculos de acetato Ventura,Costume de lã Minelli,camisa de algodão Vila Romana,gravata de seda Boss Black.

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