terça-feira, 27 de setembro de 2011

ESTILO OBAMA

Primeira classe
Antes de se tornar presidente dos EUA, Barack Obama já era notório pela elegância — dos corredores políticos às quadras de basquete, passando pelas salas de aula em Harvard



Obama e Lula não se encontraram em Brasília. O americano veio, Lula não foi, ou porque não queria ofuscar sua sucessora ou porque não se considera ainda um ex-presidente, como FHC, Sarney e Collor, que compartilharam a mesa com a presidenta Dilma. Mas também é possível que não desejasse constranger-se a devolver a gentileza ao presidente americano e proclamar que Obama, sim, “é o cara”. De certo modo, ele é mesmo. Ainda mais um negro chamado Barack Hussein, nascido no Havaí, neto de um pastor de ovelhas no Quênia e com um histórico de privações, dificuldades e superação como só se vê no cinema. Órfão de pai, mãe desempregada, moleque em Honolulu e Jacarta, advogado diplomado por Harvard, legislador, professor universitário, escritor, senador aos 36 anos — ascensão irresistível, nas asas da meritocracia. Quando surgiu, com charme, aplomb, retórica franca, direta, competente, exsudando honestidade, confiança e otimismo, só os democratas atrelados aos Clinton não o viram como a grande esperança do partido para enxotar da Casa Branca a abominável dupla Bush-Cheney.

Alto, jovial, bonitão, intelectual, esportivo, bem casado, duas filhas adoráveis, com tantos e tamanhos atributos, antes dele só mesmo John Kennedy, o primeiro popstar do Salão Oval. Nem parecia um político; tinha mais jeito e feitio de pastor evangélico, mas um pastor liberal, moderninho, leve e, aleluia!, com uma linguagem simples, porém desprovida de clichês, coloquial na medida certa e sem preconceitos contra gírias, nem sequer contra aquelas ausentes do vocabulário dos estadistas, como screwed up (versão branda do nosso “fiz ou fizeram merda”). Professoral, mas sem arrogância, tratou os eleitores como adultos e foi o menos empolado e palavroso dos candidatos, o que usou termos mais curtos e o mais parcimonioso com adjetivos e advérbios. Há anos um político não seduzia e galvanizava a juventude da América com o ímpeto de Obama, menos por seu entusiasmo pelas novas tecnologias do que pela sensação de que nenhum obstáculo lhe parecia intransponível (fazer um discurso de 37 minutos sobre raça sem cansar a plateia, por exemplo) e, sobretudo, por sua ênfase nas questões ligadas ao meio ambiente.


Moletom velho e sóbrio para o lazer (1); na passagem pelo Rio (2); nos anos 70, estilo latino (3); casual, em Harvard (4)

Nenhuma pessoa imaculadamente do bem chega à Presidência dos Estados Unidos, alertou uma colunista do Washington Post, descrente da possibilidade de um tribuno sereno e nada maquiavélico como Obama numa disputa tradicionalmente vencida por brancos de têmpera megalômana, com atitudes mais pragmáticas, quando não cínicas, do que idealistas. Mas a sorte já estava lançada, e não deu para mais ninguém.
Como Neo, o personagem de Keanu Reeves em Matrix, o havaiano tranquilo dava a impressão de ter a resposta para todos os problemas, de ser o redentor de uma América sem rumo, atolada em duas guerras insanas e espreitada por outra Grande Depressão. Ele não tinha, afinal, todas as respostas, mas, embora ainda esteja devendo, muita coisa já fez, considerando-se a extensão dos estragos causados pelo governo anterior e por Wall Street e as limitações que lhe impõem os congressistas republicanos e os juízes da mais reacionária Suprema Corte da história americana. Obama, em suma, pode mais.

Já o acusaram de conversar muito e fazer pouco, de não ter agido com presteza nas recentes crises no Oriente Médio, cobranças que até fazem sentido — ao contrário de outras, no mínimo inadequadas por não dar a devida atenção às peculiaridades do presidente, a seu modo diferente de fazer política, a seu ritmo pessoal de encaminhar questões e levá-las adiante, à sua invejável (e por vezes exasperante) nonchalance. Impossível imaginá-lo perdendo a pose num gesto deselegante. Até por isso é um dos estadistas mais chiques que o mundo já conheceu. Claro que o corpo esguio ajuda um bocado, mas não é tudo. Está quase sempre de terno escuro, sóbrio, de dois botões, e camisa social branca, dependendo da ocasião, sem gravata, um toque de descontração (no sentido de casualness) que desarmou até os mais intransigentes patrulheiros da compostura presidencial. Da cabeça aos pés, um show de fina simplicidade: nada de listras ou estampas, gravatas preferencialmente azuis (cor dos democratas), quase nunca vermelhas (cor dos republicanos). Fora do serviço, calças cáqui com pregas, camisa polo, jeans desbotados e justos. Se é hora de malhar ou jogar basquete, moletons usados, apropriados para quem, como ele, prioriza conforto e liberdade de movimentos. Na campanha presidencial, os adversários o criticaram por não usar broche com a bandeira americana na lapela. Obama nem se deu o trabalho de explicar que seu patriotismo seguia outro percurso: em vez de enfeitar com a bandeira americana uma lapela assinada por Armani, Zegna ou outro bamba da moda europeia, como é praxe entre os poderosos de Washington, prefere valorizar a prata da casa, vestindo ternos Hickey-Freeman ou Hart Shaffner Marx (HSM), sem cartaz no mundinho fashion mas alinhados, e camisas da Nordstrom. Nos pés, sapatos Oxford, grife Cole Haan, velho orgulho da indústria de calçados de Chicago, a cidade que o viu despontar na política. Um expert em moda fez as contas e descobriu que um enxoval rigorosamente igual ao acima descrito não sairia por mais de 1 500 dólares. Ou seja, não é caro imitar Obama. Mas sua classe, sua autoridade e seu poder não estão à venda.



1. Relógio com caixa de aço e pulseira de couro Guess. Paletó, calça, ambos de lã, Ricardo Almeida, camisa de microfibra de poliéster Riachuelo, R$ 49,90, gravata de poliéster Renner. Jaqueta de náilon impermeável Zegna sport, camisa de algodão Dudalina. Calça de algodão Penguin. Sapato de couro Albanese Studio. Meias de algodão marcerizado(azul), e de poliamida(marrom), ambas Lupo 7. Polo de algodão piquê Beagle.

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